Argonauts ..., a primeira grande obra de Malinowski, continua sendo também a mais famosa. o livro foi prefaciado por Sir James Frazer, que não poupou elogias ao jovem polonês, claramente inconsciente de que, num sentido acadêmico, ele estava assinando sua própria sentença;a de morte. O volumoso livro e escrito com fluência. [...] Contemporâneo e conterrâneo do romancista Joseph Conrad, Malinowski produziu informações do "coração das trevas", na forma de imagens matizadas e naturalistas dos trobriandeses, os quais no fim emergem não como espetaculares, exóticos, nem como "radicalmente diferentes" dos ocidentais, mas simplesmente como diferentes. (p. 56 § 2)
De modo geral, os antropólogos posteriores a Malinowski receberam suas concepções te6ricas com menos entusiasmo do que seus métodos e sua etnografia. Sua posição teórica era basicamente eclética, mas seguindo os padrões correntes ele denominou seu programa de funcionalismo. Todas as praticam e instituições sociais eram funcionais no sentido de que se ajustavam num todo operante, ajudando a mantê-lo. Diferentemente de outros funcionalistas que seguiam Durkheim, porem, para Malinowski o objetivo ultimo do sistema eram os indivíduos, não a sociedade. (p. 57 § 4)
Isso era individualismo metodol6gico sob outro disfarce, e num clima acadêmico coletivista dominado pelos durkheimianos, o programa a não teve boa acolhida Durante algumas décadas depois de sua morte a estrela de Malinowski continuou seu ocaso, ate que a desilusão com a "Grande Teoria" tomou conta de todos durante a década de 1970, fato que o levou a reabilitação em comunidades antropol6gicas nos dois lados do Atlântico - às custas do seu colega e rival Radcliffe-Brown. Malinowski chamou a atenção para o detalhe e para a importância de captar o ponto de vista do nativo, e parte de sua reação contra seus predecessores imediatos nasceu de um profundo ceticismo com relação a teorias ambiciosas. Percebemos aqui a semelhança com Boas, reflexo da educação alemã de ambos. Malinowski se distinguia de Boas, porem, em sua relutância em envolver-se com qualquer forma de reconstrução histórica. Com Radcliffe-Brown de empreendeu uma campanha antievolucionaria- e anti-hist6rica - tão bem-sucedida que o tema ficou mais ou menos proibido na antropologia britânica durante quase meio século. (p. 58 § 1)
Malinowski se autodenominava funcionalista, mas suas idéias diferiam fundamentalmente do programa rival do estrutural-funcionalismo. Para Malinowski, o individuo era o fundamento da sociedade. Para os estruturais-funcionalistas durkheimianos o individuo era um epifenômeno da sociedade e de pouco interesse intrínseco o que interessava era inferir os elementos da estrutura social. Essas duas linhagens da antropologia social britânica - funcionalismo biopsicológico e estrutural-funcionalismo sociológico - evidenciam urna tensão básica na disciplina entre o que mais tarde foi chamado de agência e estrutura. O individuo tem agência no sentido de que ele e um criador da sociedade. A sociedade impõe estrutura sobre o individuo e limita suas opções. Como mostra Giddens (1979), os dois pontos de vista são complementares. Mas isso não foi percebido pela antropologia britânica do período entre as duas grandes guerras. O funcionalismo de Malinowski e o estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown foram vistos como diametralmente opostos. (p. 58 § 2)
Pouco depois dessa publicação, Radcliffe-Brown leu a obra-prima de Durkheim, The Elementary Forms of Religious Life. Ele então ministrou uma longa serie de palestras sobre Durkheim em Oxford, e quando sua monografia, Andaman Islanders, foi finalmente publicada em 1922, mais do que qualquer outra coisa ela parecia uma demonstração admirável de sociologia durkheimiana aplicada a materiais etnográficos. (p. 59 §1)Como Boas e Malinowski, Radcliffe-Brown passou os anos intermediários entre as duas grandes guerras conquistando adeptos e desenvolvendo instituições acadêmicas dedicadas a nova antropologia. Diferentemente deles, porem, ele passou longos períodos de sua vida profissional como nômade acadêmico, desenvolvendo e aperfeiçoando centros antropol6gicos importantes na Cidade do Cabo, Sydney e Chicago. [...] A antropologia inglesa do período entre as duas grandes guerras passou assim por duas fases: primeiro, um período dominado pela etnografia detalhada com ênfase regional no Pacifico, depois, um período volta do para a análise estrutural durkheimiana, com ênfase na África. (p.59 § 2)
Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar 0 individuo principalmente como produto da sociedade. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radcliffe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e mecanismos de integração social. Embora o contraste seja frequentemente exagerado nos relatos hist6ricos, as vezes 0 resultado foram estilos de pesquisa consideravelmente diferentes.(P. 59 § 3)
Os "mecanismos" que Radcliffe-Brown esperava identificar eram de origem durkheimiana, análogos talvez as representações coletivas de Durkheim. Mas Radcliffe-Brown alimentava esperanças explicitas de transfomar a antropologia numa ciência “real”, um objetivo que provavelmente não fazia parte dos planos de Durkheim.(p.59 § 4)
Na obra de Radcliffe-Brown a estrutura social existe independentemente dos atores individuais que a reproduzem. As pessoas reais e suas relações são meras agenciações da estrutura, e o objetivo ultimo do antropólogo é descobrir sob o verniz de situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura. Esse modelo formal, com suas unidades nitidamente definidas e logicamente relacionadas, demonstra claramente a intenção "cientifica" do mestre. (p.60 § 1)
A estrutura social pode ser ainda mais desdobrada em instituições discretas ou subsistemas, como os sistemas para distribuição e transmissão da terra, para a solução de conflitos, para a socialização, para a divisão do trabalho na família, etc. - os quais contribuem todos para a manutenção da estrutura social como um todo. De acordo com Radcliffe-Brown, essa e a função é a causa da existência desses sistemas. Temos aqui um problema. Radcliffe-Brown parece afirmar que as instituições existem porque elas mantêm o todo social; isto e, que sua função e também sua causa. A relaçao de causa e efeito se toma vaga e ambígua, e esse raciocínio "tautológico" ou"para trás" e em geral visto com restrições nas explicações cientificas. Essa crítica a, porem, se aplica igualmente a todas as formas de funcionalismo, inclusive, mas não limitada, à variação de Radcliffe-Brown sobre o tema. (p. 60 § 2)
A articulação feita por Radcliffe-Brown entre teoria social durkheimiana e materiais etnográficos e suas ambições no interesse da disciplina geraram um programa de pesquisa novo e atraente a que afluíram pesquisadores talentosos, fato que por sua vez aumentou o prestigio da teoria. [...] O uso durkheimiano, por parte de Radcliffe-Brown, da antiga ideia de Maine do parentesco como sistema "jurídico" de normas e regras tomou possível explorar cabalmente o potencial analítico do parentesco. Um sistema de parentesco era facilmente compreendido como uma constituição não escrita de interação social, um conjunto de regras para a distribuição de direitos e deveres. O parentesco, em outras palavras, era novamente uma instituição fundamental, agora como motor (ou coração ao,para usar as analogias biológicas preferidas de Durkheim) de uma entidade auto-sustentável e integrada organicamente, e todavia abstrata, chamada estrutura social (um termo que, a propósito, foi usado pela primeira vez por Spencer). (p.60 § 3)
O próprio Radcliffe-Brown não simpatizava particularmente com a palavra "cultura". Para ele, a questão central não era o que as nativos pensavam, aquilo em que acreditavam, como ganhavam a vida ou como haviam chegado a ser o que eram, mas sim como sua sociedade era integrada, as "forças",que a mantinham coesa como um todo. (p. 61 § 1)
Radcliffe-Browl1 criticava severamente a "historia conjetural" dos evolucionistas. Na visão dele, arranjos contemporâneos existiam porque eram funcionais no presente, certamente não como "sobreviventes" de épocas passadas. Eles faziam sentido no presente ou então não tinham sentido nenhum. Ele também escarnecia das reconstruções freqüentemente fantasiosas apresentadas por historiadores culturais e difusionistas. Onde não existiam evidencias não havia motive para especular. Aqui Malinowski e Radcliffe-Brown concordavam perfeitamente. (p. 61 § 2)
Assim, Boas e Mauss concordavam em que não havia conflito profundo entre história cultural e estudos sincrônicos, e por isso ambos se interessavam pelo difusionismo, enquanto Radcliffe-Brown e Malinowski consideravam esses interesses como "não científicos". Essa divisão reflete claramente o fato de que dois antropólogos britânicos estavam envolvidos numa "revolução", ao passo que na França e nos Estados Unidos predominava uma atmosfera de continuidade. Mas outras divisões eram igualmente importantes. Radcliffe-Brown e Mauss concordavam em que seus estudos faziam parte de urn grande projeto de sociologia comparada, enquanto Boas, dos quatro 0 menos relacionado com a sociologia, desconfiava da "ciência francesa" que Radcliffe-Brown pregava em Chicago e duvidava profundamente do metodo comparativo. De sua parte, Malinowski parece ter evitado toda forma de comparação. Nesse caso, a herança germânica de Malinowski e Boas une-os claramente contra a "escola francesa". Mas essa unidade também e incompleta. Enquanto Radcliffe-Brown e Mauss eram coletivistas metodológicos comprometidos que investigavam os segredos da "sociedade como um todo", Boas e Malinowski eram particularistas (alemães). Oparticularismo de Malinowski, porem, voltava-se para as necessidades físicas do individuo, ao passo que Boas acreditava na primazia da cultura. (p. 66-67 § 1)
Nayanny de Lima
Fonte Bibliográfica:
ERIKSEN, Tomas H. Nielsen, FINN S. História da Antropologia. 4 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010 ( cap.3)
pleno 2019 e continua uma merda
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